segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Uma coluna hipocrática e médica. Como faz todos os domingos, e faz com a maestria dos grandes escritores, o Dr. Júnior Bonfim (sumidade regional do Direito Público) homenageou os médicos e os poetas. Na homenagem aos médicos, citando o Pai da Medicina (Hipócrates), fez uma viagem mundial, indo a Cós (ilha de Hipócrates) e voltando a Crateús, sua terra natal, para celebrar outro grande médico -Dr. Florentino Cardoso, um dos geniais médicos brasileiros. Aos poetas, citou Picchia como símbolo do dia do poeta e Pablo Neruda -um dos nomes da poesia da América Latina. Terminou com uma importante reflexão. Ótima leitura!

COLUNA DO DR. JÚNIOR BONFIM - Dia do Médico e o Dia do Poeta


Permissão peço para, na Coluna de hoje, fazer uma pausa nos assuntos meramente jurídicos e políticos, temas erigidos sob os tijolos da razão, e pôr na mesa um buquê com flores de emoção. Duas efemérides especiais incensaram a semana que passou: o Dia do Médico, 18, e o Dia do Poeta, 20. O profissional da medicina e o artesão da poesia têm a ver com o conserto do mundo e a busca da fraternidade entre os seres.

HIPÓCRATES
Antigos pergaminhos e a auricular tradição rezam que, na antiguidade, em uma ilha grega chamada Cós, nasceu um cidadão cuja vida seria um culto permanente ao estudo das linhas nobres que dão vida e luz ao corpo humano. Era um asclepíade, membro de uma espécie de corporação de mestres da saúde que dizia descender do próprio Asclépio, o Deus da Medicina.

Esse insular ser tornou-se um peregrino da arte médica. Atendia seus consulentes à sombra de árvores, ao ar livre. Perambulava de cidade em cidade recolhendo observações e compartilhando saberes. Em 430-429 a.C., uma grande peste assolou a cidade de Atenas. Através do seu olho clínico identificou existir uma categoria – a dos artesãos (por dever de ofício, guardava intimidade com o fogo) – que parecia imune ao contágio da doença. O sábio orientou que se acendessem fogueiras como forma de estender a imunidade a toda à população. Ao que se sabe a epidemia se extinguiu depois que Hipócrates mandou acender fogueiras por toda a cidade.
O fato é que o filho da ilha de Cós ganhou da História o honorável brasão de Pai da Medicina. Sua aura popular atravessou a madrugada dos séculos não só pelos tesouros científicos que extraiu, mas em especial pelos pórticos morais que erigiu. Gotejando sabedoria e humanidade, regou com serenidade e discrição para a posteridade o jardim suspenso do médico ideal. Inscreveu, nas éticas tábuas da devoção à vida, um juramento definitivo, dito Juramento de Hipócrates, que tradicionalmente os médicos professam por ocasião da solenidade de formatura.

DIA DO MÉDICO
Terça-feira pretérita, dia 17 de outubro, véspera do Dia do Médico, no Salão Leste do Palácio do Planalto, 12 personalidades da área de saúde foram condecoradas pelo Presidente da República na Classe Grande-Oficial da Ordem do Mérito Médico. Entre os doze homenageados estava um cearense. Seu nome: Florentino de Araújo Cardoso Filho, natural de Crateús, que chegou ao topo da representação associativa médica nacional como Presidente da Associação Médica Brasileira. O doutor Florentino é o primeiro brasileiro fora do eixo sul-sudeste a presidir a entidade nos seus mais de sessenta anos.  

FLORENTINO 
Em Crateús, onde mirou a primeira roupa branca de médico e aprendeu a soletrar o alfabeto do sonho, Florentino viveu até os doze anos de idade. Às margens do Rio Poty fez o batismo de consagração à carreira de Hipócrates. Imaginava conquistar um Diploma e retornar ao leito umbilical. Porém o curso do rio da História o conduziu para outras paragens. Após se formar pela Universidade Federal do Ceará (onde também colou grau de mestre), fez Residência Médica em Cirurgia Geral e Cirurgia Oncológica no Rio de Janeiro, com incursões pelos Estados Unidos. Atingiu um grau de especialização que o impediu de retornar ao torrão natal. E seguiu uma trajetória lustrosa na qual, através da medicina, presta um serviço de amor à humanidade. Gestor operoso, líder classista respeitado e referenciado, cidadão que se firmou pela excelência técnica e pelo culto à meritocracia, o doutor Florentino é emblema da classe esculápia. Em seu nome homenageamos todos os médicos.    

O POETA
O paulista Menotti Del Picchia - jornalista, romancista, advogado e pintor – liderou, em 20 de outubro de 1976, o Movimento Poético Nacional. Em louvor a este momento ímpar, foi instituído o Dia Nacional do Poeta. Alguém pode indagar: - qual a intercessão entre as linhas da poesia e da política? Poesia e política são alimentos complementares. Aquela alimenta a alma; esta povoa as matérias da vida. A política - o serviço à polis, à cidade, à comunidade - é essa atividade magnífica de tornar acessível a todos os bons frutos da árvore da vida. Poesia é tudo aquilo que nos torna essencialmente mais humanos, nos aprofunda no humanismo ao ponto de nos aproximar do divino. A poesia é a divinização do humano. Quanta falta faz, no áspero e belicoso bioma da política, a presença de seres banhados pelo sereno do bom senso e que exalem o perfume da poesia!

O POETA II
Alguém pode imaginar que considero os poetas como homens acima da média, bafejados por alguma aura extraordinária. De jeito nenhum. Concordo com Neruda: “o poeta não é um ‘pequeno deus’. Não, não é um ‘pequeno deus’. Não está marcado por um destino cabalístico superior ao de quem exerce outros misteres e ofícios. Exprimi amiúde que o melhor poeta é o homem que nos entrega o pão de cada dia: o padeiro mais próximo, que não se julga deus. Cumpre a sua majestosa e humilde tarefa de amassar, levar ao forno, dourar e entregar o pão de cada dia, como uma obrigação comunitária. E se o poeta chega a atingir essa simples consciência, a simples consciência também pode se converter em parte de uma artesania colossal, de uma construção simples ou complicada, que é a construção da sociedade, a transformação das condições que rodeiam o homem, a entrega da mercadoria: pão, verdade, vinho, sonhos”. Meu pulsante coração de poeta me diz que falta algo ao estrume da nossa política, que o torne gerador de vida, germinador de alegria: sementes de poesia!

PARA REFLETIR
“Se perguntássemos a um profeta hebreu ‘o que é política?’, ele nos responderia, ‘a arte da jardinagem aplicada às coisas públicas’. O político por vocação é um apaixonado pelo grande jardim para todos. Seu amor é tão grande que ele abre mão do pequeno jardim que ele poderia plantar para si mesmo. De que vale um pequeno jardim se à sua volta está o deserto? É preciso que o deserto inteiro se transforme em jardim.” (Rubem Alves)

Júnior Bonfim é poeta e advogado, militante na seara do Direto Público com ênfase no binômio Probidade e Elegibilidade. 

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