domingo, 15 de outubro de 2017

Ninguém escreve melhor aos domingos do que o gênio das letras de Crateús, Dr. Júnior Bonfim. Sua coluna política (dominical) publicada na blogosfera e nas redes sociais, é a mais acessadas e campeão de curtições e compartilhamentos. Mais ainda quando sua excelente coluna política fala de um mito e de um estadista como Ulysses, herói brasileiro da luta contra o arbítrio da ditadura militar e o grande arquiteto da Constituição Federal. Carta Magna que Júnior Bonfim defende enfaticamente como operador jurídico dos melhores, aplaudindo a decisão do Supremo que transferiu para o Congresso, de acordo com o artigo 53 da Constituição Federal, o afastamento de parlamentares do mandato e medidas cautelares. Ainda tem uma ótima reflexão. ÓTIMA LEITURA!

COLUNA DO DR. JÚNIOR BONFIM - Ulysses

ULYSSES

Eu o vi atuando. Conheci-o pessoalmente. Tive o gáudio de apertar sua calorosa mão. Era o dia 15 de novembro de 1981. Ele chegara ao meu torrão-berço, Crateús, para comandar uma histórica concentração política. Distávamos exatamente um ano das eleições de 1982. Anunciou profeticamente, no palco da Coluna da Hora da polis, que principiava a contagem regressiva para a vitória.  Era um candeeiro. Iluminava as adjacências. Dele emergia uma autoridade natural. Possuía aquela aura de respeitabilidade dos grandes estadistas. Suscitava um sentimento de temor próprio de quem pertencia à genealogia dos vulcões. Brotava-lhe, como uma cachoeira, a “imantação misteriosa e sedutora, irresistível, temperada de respeito e admiração.” 

De natureza sui generis, era também um condoreiro. Fulgurante arquiteto das palavras, sabia dispô-las da forma mais magnética. Esgrimia com genial maestria na arena dos debates: “Política não se faz com ódio, pois não é função hepática. É filha da consciência, irmã do caráter, hóspede do coração. Eventualmente, pode até ser açoitada pela mesma cólera com que Jesus Cristo, o político da Paz e da Justiça, expulsou os vendilhões do Templo. Nunca com a raiva dos invejosos, maledicentes, frustrados ou ressentidos. Sejamos fiéis ao evangelho de Santo Agostinho: ódio ao pecado, amor ao pecador. Quem não se interessa pela política, não se interessa pela vida.”

Ulysses Silveira Guimarães. Em outubro, dia 06 de 1916, veio ao mundo e em outubro, dia 12 de 1992, se foi. Neste 12 de outubro de 2017 celebramos 25 anos de seu desaparecimento. Dos parlamentares brasileiros, foi indubitavelmente um dos mais excelsos. Tinha majestade na alma. Por isso, sumiu na enseada dos nobres, a Angra dos Reis.       

A CONSTITUIÇÃO
O que diria Ulysses Guimarães se estivesse assistindo à Sessão do Supremo Tribunal Federal sobre aplicação de medidas cautelares a membros do Parlamento? Certamente repetiria o que bradou na promulgação da Carta Magna: “A Nação nos mandou executar um serviço. Nós o fizemos com amor, aplicação e sem medo. A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito: rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio, o cemitério.”

A CORTE CONSTITUCIONAL
O STF se dividiu ao meio quanto à aplicação de um preceito constitucional nítido: o artigo 53, § 2º, da nossa Lei Fundamental, que protege o mandato parlamentar de maneira ampla, inclusive conferindo poderes ao Parlamento para resolver sobre a mais extrema das situações: a privação da liberdade! Logo, estabelece que o mandato parlamentar, conferido pela soberania popular do voto, não pode ser objeto de cerceamento de quaisquer espécies, salvo na flagrância de crime inafiançável. A doutrina batiza de imunidades essas prerrogativas que asseguram aos membros do Legislativo ampla liberdade, autonomia e independência no exercício de suas funções. O instituto das imunidades surgiu na Inglaterra do Século VII, como forma de proteger o Parlamento do arbítrio monárquico. O instituto se dilargou em decorrência de dois corolários do direito constitucional inglês: a liberdade de palavra (freedom of speach) e a liberdade à prisão arbitrária (freedom from arrest).  As imunidades e prerrogativas não se confundem com privilégios pessoais. Aquelas são conferidas não à pessoa, mas à função ou atividade que exercem. Rui Barbosa reforçou isso quando assentou que “tanto não são do Senador, ou do Deputado, as imunidades, que delas não é lícito abrir mão. Da representação poderá despir-se, demitindo-se do seu lugar no Congresso. Mas, enquanto o ocupar, a garantia da sua liberdade aderirá inseparavelmente ao representante, como a sobra ao corpo, como a epiderme ao tecido celular.”

POR QUE A DIVISÃO?!
A grande interrogação que brota: por que o STF se dividiu em matéria aparentemente simples? Porque há um respeitável setor da Corte que se orienta pela bússola do clamor popular, sob a pressão avassaladora das redes sociais. Um Ministro brilhante, Luiz Roberto Barroso, embalado pela brisa sedutora da Vox Populi e escorado na produção de frases de efeito (tipo “não podemos confundir imunidade com impunidade”) lidera um expressivo grupo de colegas de toga em um caminho perigoso: o de que, em respeito à sanha punitivista que grassa no País, é possível subverter a hierarquia do texto constitucional e inovar para punir rapidamente, driblando a serena trilha do devido processo legal. Cabe a pergunta: será verdadeiro esse axioma de que imunidade é sinônimo de impunidade? Vejamos o caso recente do senador Delcídio do Amaral, em que foi obedecido o rito constitucional previsto no artigo 53, § 2º. Ficou ele impune?... Não. 

A HISTÓRIA   
Nos portais da História reluz, como provocação permanente à humanidade, o julgamento do Cristo. O juiz Pôncio Pilatos sabia que Jesus era um homem justo, mas, pressionado pelo clamor popular, resolveu lavar as mãos. Julgar é, pois, sacrifício. Ou sagrado ofício. Kennedy afirmou que “governar é dirigir pressões”. Julgar, no entanto, não é dirigir, mas enfrentar as pressões. É ter consciência de que está obrigado a ir além do senso comum. Não é falar ou agir em sintonia com a vontade da maioria, quando esta estiver equivocada. Ser Juiz é, na solidão do deserto decisório, sentir a estocada do espinho da incompreensão e proferir o veredito mais consentâneo com a Justiça. 

PARA REFLETIR
“A caravela vai partir. As velas estão paridas de sonho, aladas de esperanças. O ideal está ao leme e o desconhecido se desata à frente.” (Ulysses Guimarães)

Júnior Bonfim é poeta e advogado, militante na seara do DireIto Público com ênfase no binômio Probidade e Elegibilidade. 

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