segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Resenha do Dr. Augustino Chaves sobre livro de Ruy Castro foi uma obra literária perfeita.

 É de Dr. Augustino Chaves a melhor resenha literária sobre clássico de Ruy Castro. 

És uma resenha (e a melhor resenha), que poderia também ser uma tese, publicada pelo eminente juiz e escritor consagrado, Dr. Augustino Chaves;  sobre mais um clássico literário do Imortal da ABL. Ruy Castro

Em seu extraordinário artigo de opinião (resenha fenomenal), "Trincheira Tropical, de Ruy Castro, Rio de Janeiro reflete o mundo", chaves escreveu com a mesma qualidade literária de Castro.

De Zuenir Ventura a Nélson Rodrigues, passando por Machado de Assis, muitos escreveram sobre o Rio de Janeiro (tambor cultural do Planeta), pelo menos diz a resenha, ninguém superou na escrita do Rio (em especial nas décadas de 30/40) a Trincheira.

O Rio 40º graus da belle époque, passeando nas ruas históricas do paraíso urbano e planetário plantado à beira mar, Ícone do Cristo no alto; em plena disputa ideológica e política de dois mitos e suas lendas ideológicas.

Prestes, Luís Carlos Prestes (Cavaleiro da Esperança). Getúlio Dorneles, Vargas. Dois mitos políticos com suas ideologias ou máscaras ideológicas em torno do Marxismo (Prestes e apoio ao Stalinismo da Rússia); e Getúlio (com sua máscara totalitária de um nazismo-fascismo tupiniquim).

Um verdadeiro viajador nas densidades históricas literárias.

Eis a beleza do livro!

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Opinião



Em 'Trincheira Tropical', de Ruy Castro, Rio de Janeiro reflete o mundo


Os leitores, cativos do estilo único do artista Ruy Castro, deparam-se mais uma vez com livro estalando de novo, cheirando a novo, profusão de histórias, ao alcance da mão nos balcões das livrarias.

O mergulho no passado, emergindo com as melhores histórias, nos disponibilizando amplo painel do que aconteceu. Mais uma vez obra vasta e minuciosa. Mais uma vez a confiança que conquistou na rigorosa apuração dos fatos. O título da obra: Trincheira Tropical.

E lá vamos nós na aventura de passear nas ruas da história, somando mais de quinhentas deliciosas páginas, concatenadas, abrindo as cortinas do passado, confirmando o que mais ou menos sabíamos ou nos  surpreendendo em novas perspectivas desse teatro de ontem que teceu parte do que hoje somos.

Trincheira Tropical estampa o Rio, Rio de Janeiro. Metrópole à beira-mar. A cidade das décadas de 30 e 1940, capital do Brasil, refletindo o mundo, mundo então reduzido e ferido pela irracionalidade da onda alta da segunda guerra mundial.

As guerras, essa vergonhosa constante na história do homem sapiens: as milhões de mortes, as dores, o vazio do sem sentido, as terríveis ameaças de aniquilação. Até quando? Freud, o ousadíssimo gênio das verdades que nos fundam, nos legou a mais alta e preciosa lição: se toda criança fosse nutrida de atenção e afeto em seus sete primeiros anos, o mundo seria outro. Sim, seríamos outra civilização, seríamos uma Civilização.

Dois mitos, duas ideologias

Nesta resenha vou partir do perfil de duas personagens representativas daquelas décadas: dois “mitos”, cada um a sua maneira, Getulio e Prestes.

Nessa altura, não existe novidade significativa sobre essas duas personagens.

No caso de Prestes predomina, com exceção de pequeno grupo emocional, sua imagem de herói caolho. Foi a resultante que se manteve, sem maiores discrepâncias, no teste do tempo. As novas gerações sequer conhecem-no. Naquele 1934 ele acabava de chegar de Moscou, onde viveu anos, comprometido, nem Deus imaginaria essa reviravolta, em alinhar o Brasil à distante, geográfica e historicamente, Rússia.

Divulgação

A fotografia: Prestes no cárcere getulista, fundo e escuro calabouço. Sua mulher e sua filha sendo jogadas por Getúlio aos fornos nazistas. O gesto de Prestes, uma década depois, agora em plena e total liberdade: ir aos comícios, nas ruas, acomodando-se junto a Getúlio. Sua mulher, morta, ficou-lhe invisível. O que é isso, companheiro?

No caso de Getulio pululam seus defensores. Todos sabem que ele censurou, prendeu, torturou, matou. E que lhe foi insuportável a posterior lida democrática: disparou tiro no peito na medida em que não lhe era mais factível prender Lacerda e quem mais que lhe fosse antipático.

Sim, sabemos desse perfil. Entretanto, o livro preenche essa linha do tempo com o rosto da pessoa, a situação, o local, a data. As situações concretas vão dando vida à linha do tempo. O conhecimento intelectual passa a ser mais do que intelectual.

Duas ideologias adensavam os ares do mundo.

Uma empolgada na violência, no Estado totalitário, na força bruta como projeto social. Era o nazismo e o fascismo. À frente a “raça ariana”, que iria dar as ordens, aos gritos, em todos nós. O pangermanismo.

A outra, o lado asiático, encarnado pela Rússia, que, embora empunhasse a bandeira de uma causa popular, assumia os mesmos métodos: surgiam como entidades oposta, mas eram, na verdade, similares. O pan-eslavismo.

A terceira via, a crença na democracia, no diálogo, na construção da legitimidade inclusiva, apesar de todos os graves pesares. À maneira de Churchill: a democracia é o que temos de menos nefasto.

Essa via democrática, sempre se movendo lenta, tardou a entrar na arena; pouco antes havia se atrasado, crucialmente, em entender o caráter transnacional da Guerra Civil Espanhola.  Entretanto, unida, entabulando acordos, venceu a Segunda Guerra.

O modelo russo usava a máscara de Marx e do comunismo, copiando a Inquisição, que usou a máscara de Jesus. Na mesma medida que a Inquisição conspurcou o ideário cristão, os bolcheviques conspurcaram o ideário comunista. O que lá existiu dava, em essência histórica, continuidade aos estados czaristas de sempre, na multiplicação de seus tentáculos letais. Nunca houve socialismo ali senão na retórica.

Saudade do passado

Bem, voltando ao Rio da década de 1930: a chegada e o apogeu do rádio, reverberando proselitismos políticos, noticiando a cidade, os bairros, as novidades, enchendo os lares da alegria da música e da voz dos locutores.

O que em demasia impressiona-me: o dirigível, vindo das lonjuras gélidas de Berlim, imaginário alemão, o colossal balão, do tamanho de dois campos de futebol, da altura de treze andares, cruzando os mares do Atlântico, pousando no Rio, ante os atônitos cariocas. “A arca de Noé, o dirigível.”

A presença de alemães e italianos no Brasil; e de brasileiros, servidores públicos, na Itália e na Alemanha, onde iam se contaminar de aulas na Gestapo e adjacências. Suponham vocês o que era transmitido nessas aulas. A filha de Mussolini, beldade branca italiana exibindo-se em Copacabana, nos lençóis na cama com o irmão de Getulio; esse, meus caros, sim, passou bem: a trincheira tropical que todos merecemos.

Os rocambolescos preparativos para viabilizar o encontro de corpos de Getúlio, baixinho e rotundo, com a amada amante, jovem senhora, esguia e esbelta, esposa de assessor especial seu; é vida que segue….

Enfim, Getulio, entre acender um charuto e outro, avultou em estadista: largou sua simpatia pela nazismo, largou sua “neutralidade” e colocou o Brasil junto aos Aliados, junto aos EUA. Getúlio era mesmo endemoniado.

O livro afirma e demonstra à saciedade a obsessão de Getulio em criar e manter o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) a tenaz máquina de propaganda jamais vista no mundo. Suas ressonâncias ainda insistem em nossos dias, relativizando tudo de aberta e cruamente desumano do ditador brasileiro e apresentando como milagre, sem o qual jamais teríamos, o que de importante realizou. Os mesmos que não perdoam a ditadura militar dos anos 1960-70, e olvidam suas obras, perdoam rápido Getúlio, anulando elementar verdade: as ditaduras representam atraso social e institucional, sempre. Mas faltou uma DIP para a ditadura militar, para nossa sorte.

Da fartura de fatos no livro narrados, destaco o seguinte, para encerrar essa resenha: os pracinhas nordestinos da FEB (Força Expedicionária Brasileira) chegaram à Itália vestidos em uniformes encolhidos: o tecido, desses baratos, não resistiu à viagem. De compleição física baixa e magra, aquela atmosfera lhes era não-familiar, pareciam abobalhados.

Os americanos, parceiros nas batalhas próximas, ao verem aqueles viventes, foram tomados de surpresa. Na hora do embate, entretanto, transformaram-se em gigantes: escalavam montanhas facilmente,  aprendiam rápido, o corpo não cansava, atiravam certeiros, não pegavam tristeza. O sertanejo é antes de tudo um forte, sim, camarada Euclides da Cunha, são calejados de outros moinhos da vida, agrestes.

Trincheira Tropical trata de densidades históricas, expressas, porém, pelo estilo envolvente de Ruy Castro, que enlanguesce essa densidade em curiosos casos, no dia-a-dia azafamado da vida no Rio, no ícone do Cristo no alto, no azul do mar, nas festas e bailes, na música, nos aconchegos das ternuras físicas, emprestando à leitura um quê de prosaico, um quê de existencial. Concluída a leitura do livro, bate a saudade do passado, como se fosse vivência nossa, embora não estivéssemos por lá. “Que queres tu viajador, olhando para trás?” Beleza de livro!

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