sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Posto memorável crônica do Dr. Augustino Chaves em homenagem póstuma à Professor e intelectual Neudélia.

 


Neudélia, daquela casa grande na mesma rua nossa, mais para baixo. Casa diferente das demais casas, como que, então, no final da zona urbana, transparecia a atmosfera  das casas de velhos filmes, um traço de atemporal. Neudélia artista, artista nasceu. Ela escolhia as canções nordestinas mais cativantes, mais nossas, interpretando-as em sua voz limpa, em tom naturalmente excelso. Neudélia, professora da rede pública de ensino. Neudélia, Diretora de Escola Pública. Na sala de aula era singularmente comprometida com a turma de alunos, inventava sua maneira de atuar, de sugerir outras perspectivas: era a Professora Neudélia, estava ali, inteira. Neudélia mãe de Renan e de Leilian, o que tanto a realizou, mãe depois dos trinta anos. Esses meus primos, que cursaram Direito e Medicina, respectivamente: sucesso. Sabia transmitir e assim haveria de ter filhos. Teve-os. Neudélia, ao casar com marido que exercia protagonismo, de mais idade, nele não se dissolveu, não deixou de ser exatamente o que sempre foi, continuou a nossa Neudélia de sempre. Entidade. Chegava lá em casa dona de si, bem humorada, de bem com a vida. Entrava, a todos efusivamente distribuía seus cumprimentos, assentava-se e adiantava-se para cantar as duas canções que mais me tocavam. Imitava, afetuosamente, as vozes e o jeito dos viventes de Nova-Russas, era seu teatro, e adorávamos e a pedíamos para repetir. Não lembro de dela ter emanado qualquer comentário desfavorável a ninguém: impregnada da consciência de que somos assim mesmo, cometemos nossos erros. Falou-me um dia, à toa, que sua família não passa dos setenta, ao contrário dos exemplares de nonagenários firmes da minha família. Assim, seu destino por aqui encerrar-se-ia antes de completar os setenta. Acertou. Entretanto pronunciava aquele suposto veredito despojada de drama, era apenas aquilo mesmo. Todos vamos, um pouco mais cedo ou um pouco mais tarde. Odiza dizia-me que Neudélia parecia por um momento a mãe de todos nós. Sim, talvez ela soubesse instintivamente, sem colocar no plano explícito da consciência, de que poderia nos transmitir um sopro de esperança, a todos da roda, a todos que convivia. Passou seu doloroso tratamento de saúde sem reclamar e aproveitando cada minuto de intervalo de bem estar. Sabia-lhe em seus últimos dias, mesmo assim fui às lágrimas quando informado que ela estava agora do outro lado do tempo. Coloco Neudélia ao lado de outra estrela filho de Nova-Russas, Mário Pontes. E ao lembrar desses dois, veio-me o ditado popular: “o espírito sopra onde quer”. E o espírito parou e banhou Neudélia com suas luzes e a marcou com seu sorriso largo. Uma salva de palmas para você querida Neudélia.

Autor: Dr. Augustino Chaves, advogado.


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